O caso mais lindo que já tive

Existem duas coisas que sempre me fazem chorar: uma delas é todas as vezes que releio um artigo de meu pai – digníssimo membro da Academia de Letras – chamado “Xará” que está em meu blog, e a outra é quando me lembro de um paciente que nunca conheci e cujo caso aqui contarei, com nomes fictícios, é claro.
Eu tratava de uma paciente que trabalhava em uma Empresa, e um colega muito chegado estava junto com a esposa passando por problemas com o filho mais velho. Ela me contou a história familiar e sugeri que os pais viessem ao meu consultório. Chegaram no horário combinado e me contaram a história deles e dos filhos: Dora era casada e teve o primeiro filho, Tiago e o pai do menino foi embora logo em seguida, nunca mais dando notícias.
Dora criou o filho e quando este estava maiorzinho, conheceu Claudio com quem passou a viver junto. Daí para a frente Tiago passou realmente a ter um pai, pois Claudio gostava muito do garoto e o tratava realmente como filho. O amor era recíproco.
Adendo: Dora e Claudio eram muito simples financeiramente e ambos precisavam trabalhar, e estando Tiago com 12 anos, sua mãe engravidou e à partir do momento em que Tiago soube da gravidez, começou a ter estranhos sintomas, caía ao chão, puxava o lado direito do corpo, entortava a boca e espumava um pouco.
O casal já havia levado Tiago a uma quantidade enorme de médicos, me trouxeram um calhamaço de dois dedos de exames feitos e cada especialista tinha uma opinião diferente, e vários remédios haviam sido experimentados sem nenhum efeito.
Perguntei como era a vida cotidiana do casal: levantavam pela manhã, deixavam a bebê que já havia nascido aos cuidados de uma vizinha, depois Tiago na escola e ambos iam trabalhar. Tiago voltava só da escola, almoçava sozinho, tomava seus remédios e ficava também só pelo resto da tarde.
Quando saía de seu trabalho, Claudio pegava Dora, apanhavam a bebê na casa da vizinha, e como não podiam pagar uma empregada, revezavam os trabalhos de casa e para com a bebê, até a hora de ir dormir.
E o Tiago? Continuava sozinho vendo toda essa movimentação, percebendo que a bebê tem toda a atenção que necessita. E ele? Nada. Por que? Por já ter 12 anos? E, se sente muito carente e só E…tem crises para chamar a atenção dos pais. EMOCIONAL É ASSIM: QUANDO TIAGO CAÍA E SE MACHUCAVA, OS PAIS ERAM OBRIGADOS A LARGAR A PEQUENINA, OS TRABALHOS DOMÉSTICOS E CUIDAR DELE.
Percebo tudo isso, enquanto psicanalista. E, segura do que lhes vou dizer e orientar, principio: “Vou dar um remédio ao Tiago e ele vai ficar bom”. Os dois ficaram me olhando espantados, esperando uma nova receita de algum remédio, e eu continuo: “O remédio que vou recomendar chama-se AMOR. Vamos mudar toda a rotina de vocês. O Claudio tem disponibilidade de almoçar com o Tiago em casa ao invés de faze-lo na Empresa? Então faça isso. Vá buscar Tiago na escola e almoce com ele. E, quando ambos saírem do trabalho, ao invés de irem direto buscar a bebê na vizinha, devem ir para o seu casulo, conversem com Tiago, deem a ele muito amor, carinho, peguem-no ao colo, mesmo ele tendo 12 anos. Digam que o amam, que ele é o primeiro filhinho de vocês, jantem com ele e depois um de vocês vai buscar a bebê. O que ficar com ele conte quanto a colaboração dele é importante, que tem muita tarefa em casa a fazer, e peça a ajuda dele para tanto. Falem que vocês são três adultos cuidando de uma bebezinha que é dele e que ela também pode dela cuidar. Ensinem-no a trocar fraldinhas, a dar uma mamadeira e a brincar com ela Mostrem o quanto ela gosta dele”. E, por aí fui afora, mostrando as novas atitudes a serem tomadas.
Ambos, metendo os cotovelos nos joelhos, levaram as mãos ao rosto para não perder uma só palavra do que eu lhes dizia e saíram matutando sobre os conselhos, sem receio nenhum do que iriam encontrar pelo novo caminho a seguir.
Os pais, apesar de muito simples na matéria, eram esclarecidos espiritualmente e desejosos da cura do filho, que viam sofrer e se machucar, dia a dia e procederam exatamente como lhes orientei.
Na semana seguinte quando voltaram para a sessão, os dois me olharam com uma grande sensação de amor, de admiração e de gratidão nos olhos e me disseram que me tomando como estela guia haviam feito exatamente como lhes recomendei e que Tiago não havia tido mais nenhuma queda ou sintoma do que acontecia antes. E, contaram-me que quando Claudio foi buscar Tiago na escola na primeiro dia, este abriu um grande sorriso, pegou o pai pela mão e foi mostra-lo aos colegas encantado, surpreso, feliz e radiante, dizendo: “Este é o meu pai, vejam este é o meu pai”. E pela noite quando os pais chegaram em casa sem a bebê, ele ficou pasmo, correspondeu ao carinho a ele dedicado e depois ajudou a cuidar da irmãzinha e ao pai no lavar da louça e da roupa. Ficou encantado ao ver que podia tocar na garotinha, dela cuidar também e que era muito amado por papai e mamãe.
BEM NEM PRECISO DIZER QUE ELES NÃO VOLTARAM MAIS ÀS CONSULTAS, POIS EU LHES DISSE QUE CONTINUASSEM AGINDO DESSA FORMA E SE ALGUMA COISA DESSE ERRADO, ME PROCURASSEM.
Tiago hoje já deve ser adulto e até ter casado e esteja com filhos, MAS ESTE É O CASO QUE JAMAIS ESQUECEREI EM SEUS MÍNIMOS DETALHES E ESTA TAMBÉM É A RAZÃO PELA QUAL AMO TANTO A CIÊNCIA QUE ESCOLHI PARA COM ELA TRABALHAR, E QUE VOU CONTINUAR AMANDO SEMPRE, POIS É A CIÊNCIA QUE VAI NAS CAUSAS.
JONIA RANALI – Psicanalista, docente em Psicanálise e Palestrante.

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